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Fediverso - voltar aos pequenos círculos

E se construíssemos, aqui e agora, a internet que queremos?
Fediverso - voltar aos pequenos círculos

Estes dias, após a decisão do bilionário da META de assumir e abraçar o projeto trumpista - assim como fizeram todos os outros donos de redes sociais comerciais - lá, do outro lado da internet, que parecia inclusive bastante silencioso e deprimente até então, de repente começaram a surgir faíscas, propostas e convites para que ocupemos de outro modo este espaço virtual.

Nos primeiros anos do boom da internet, lá pelo começo dos anos 2000, quando eu participava de grupos de discussão sobre animes, de um scanlator de mangás, de um fórum sobre astronomia e outro sobre bootlegs do Pink Floyd no IRC e depois no Orkut, as redes sociais deram um nó na minha cabeça de menino do interior, abriram possibilidades de pensamento e de conexão com outras pessoas, culturas e modos de ser e pensar que no mundo real eu nunca teria acesso, sinto que muito desse potencial foi sendo adormecido pelo modo como os ambientes foram se configurando na internet atual e em cujos espaços acostumamos a estar.

Acredito que as redes sociais, assim como qualquer instituição humana, tem o seu potencial de educar, de mobilizar, de propagar ideias transformadoras e de possibilitar a formação de comunidades, locais ou não. Para mim, a questão que se coloca, para além do debate sobre o tempo de tela, é: estamos em redes sociais que propiciam um ambiente de troca real com pessoas com as quais gostariamos de prosear? Ou estamos em ambientes ciberneticamente codificados para fins de manipulação em massa? E se sabemos bem a resposta, por que continuamos nessas redes se já existem possibilidades de criar ambientes virtuais menores, sob nosso controle, mais livres e seguros do ponto de vista do uso dos nossos dados e ainda sustentáveis e saudáveis para a socialização com quem e sobre aquilo que nos interessa?

É provável que estes novos lugares no início sejam ambientes menos populosos e mais tediosos, que vão nos fazer inclusive pensar sobre como e com o que estamos gastando o nosso tempo, mas que por outro lado podem trazer uma conexão que se fortalece fora da vida digital, do lado da vida real. Isto pode acontecer por meio de um espaço virtual que propicie formas potentes de nos expressarmos ou que se torne lugar de convocação para encontro ou ação direta na realidade, aumentando a nossa capacidade de agência no mundo.

Sempre estive nessa busca. Há alguns anos atrás, passei a frequentar o Mastodon, uma rede social que ganhou notoriedade como alternativa descentralizada ao Twitter/X, numa época em que o domínio explícito de uma oligarquia fascista ainda não era vocalizado sem nenhum constrangimento. Mas as alternativas não engrenaram, confesso que achei o Mastodon uma rede esvaziada, não encontrava tantas pessoas falando sobre o que me interessava com a facilidade que havia nas redes comerciais.

Hoje, com a neonazificação explícita da rede comprada pelo também bilionário Elon Musk, o Bluesky acabou aparecendo como essa alternativa mais limpinha e burguesa, principalmente quando comparada aos desejos mais socialmente radicais explicitados pela turma no Mastodon ~ o que inclui, por exemplo, a possibilidade que os próprios usuários criem e hospedem suas instâncias ou servidores independentes, com ou sem conexão com o servidor central ou as instâncias mais populosas. E assim, continuei no Mastodon, mas acabei passando a habitar também o Bluesky.

Dito isso, parece óbvio que ninguém precisa de mais uma rede social para treinar e fritar o seu cérebro, no fundo não precisamos sequer de smartphones, mas eles estão aqui e de alguma modo passaram a determinar parte da nossa vida e das pessoas ao nosso redor.

O que gostaria de trazer com esta reflexão é um convite a reocuparmos este espaço de outra forma, pois acredito que a saída não é simplesmente abandonarmos o mundo virtual. Ainda não. O fediverso, com suas iniciativas de software livre e/ou open source, nos oferece dezenas de possibilidades de configuração do nosso espaço virtual - este lugar que acessamos pelo smartphone ou pelo computador - de uma maneira totalmente distinta, incluindo substitutos para todas as redes sociais que existem hoje e que nos colocam nas mãos dos algoritmos desenvolvidos pelos bilionários do projeto trumpista. Alguns deles são: peertube (youtube), mastodon (twitter), pixelfed (instagram) e signal (whatsapp). Mas existem muitos outros, com propostas muito mais diversas de interação e expressão que aquelas oferecidas pelas redes comerciais.

Talvez, a grande questão não esteja em encontrar um substituto ideal, que seja mais próximo ou distante daquilo que nos acostumamos a chamar de rede social. É provável que o grande salto resida na reflexão necessária para que nos tornemos capazes de construir outro modo de vivenciar uma rede social: será que é realmente necessário estar num ambiente com acesso a uma infinidade de pessoas, vídeos, fotos e anúncios que buscam fragmentar nossa atenção, quebrar o ritmo da nossa percepção para jogá-la de um lado para o outro? Como podemos ter algum tipo de controle sobre o que nos acontece aqui? Com quem queremos estar nestas redes? Não seria o caso de voltarmos a frequentar e estar mais atentos e presentes em círculos menores, saindo apenas em rápidas incursões para o mundo maior e mais fragmentado? Não seria mais saudável expressar o que pensamos e sentimos para um conjunto menor de pessoas, com as quais realmente pudéssemos e quiséssemos estar, seja presencial ou virtualmente? Não acredito que o problema esteja na internet em si, mas sim na configuração dos ambientes que nos acostumamos a frequentar e os tipos de relações e ideias que estes ambientes forjaram em nós.

The Fediverse is important for Social Media — Freeplay

Precisamos olhar bem ao redor, buscar um lugar neste espaço virtual onde seja possível conviver, onde seja possível cultivar um espírito comunitário, que se desloca continuamente do real para o virtual e vice-versa. Mas pra isso é necessário abandonar o matadouro onde fomos colocados e treinados para permanecer, ainda há um mundo a ser construído aqui e lá fora. Em breve, pretendo abrir uma instância de microblogging (na linha do mastodon?) para educadores e estudantes da rede pública com os quais possivelmente irei trabalhar, assim como uma instância do peertube para postagem de vídeos e troca interna entre estas pessoas - mas poderia ser entre amigos, familiares, pessoas com interesses parecidos que conhecemos no mundo real. Por que não?

Redes Sociais

@diegokehrle no Mastodon

@diegokehrle no Pixelfed